O médico Américo Chagas (1905-1975) nasceu em Campos de São João, município de Palmeiras, na Chapada Diamantina, na Bahia. Por muitos anos exerceu a medicina em Wagner, época em que o lugar, fundado por missão presbiteriana vinda dos Estados Unidos, chamava-se Ponte Nova. Américo Chagas escreveu três livros – O Chefe Horácio de Matos, Montalvão e João Requizado – retratando com uma fidelidade fora do comum a guerra dos coronéis nos sertões da Bahia. No livro sobre Horácio de Matos, Chagas o descreve como o caudilho mais respeitado e temido da Chapada, tendo levado uma vida de lutas e batalhas sucessivas que lhe renderam uma fama incomum.
Num dos capítulos do livro dedicado a Horácio, são descritas as batalhas que o levou a conquistar a Vila da Barra do Mendes, defendida por Militão que, além de contar com aliados lavristas e militantes armados, tinha recebido reforço de 60 soldados da Polícia Militar. A tomada da Barra dependia da posse do Forte Vermelho, construído bem no centro da Vila. Horácio não hesitou em escavar valas e um túnel por onde seus homens deveriam avançar. Na defesa, os homens de Militão também vinham cavando um túnel e os dois grupos se encontraram debaixo do chão. Deu-se então a uma sangrenta refrega subterrânea em que saiu ferido Arquimedes de Matos, irmão de Horácio.
Em janeiro de 1951 eu e meu irmão Ary estávamos sendo levados por Zé de Tito, amigo de meu pai, da fazenda dele, próxima ao lugarejo conhecido como Duvidosa, para a Fazenda Pé do Morro, onde iríamos encontrar com minha família, pais e três irmãos. O percurso era de cerca de 20 km e viajávamos montados em três cavalos bem selados. No caminho Zé de Tito perguntou se gostaríamos de conhecer um jagunço, designação dada aos guerrilheiros do sertão. Respondi que sim e ele nos levou a uma casa de taipa onde estava morando Arquimedes Matos. Conheci assim um cabra que ao lado de Horácio ajudou a construir uma história fantástica do sertão, base da brava cultura do sertanejo lavrista.
A Fazenda Pé do Morro dista 15 km da Ponte Nova, onde fomos pedir ajuda ao escritor e médico Américo Chagas para socorrer meu pai, também de nome Archimedes. Américo prescreveu penicilina para as dores e febre que ele sentia, com bom resultado. O caminhão que transportava minha família de Ruy Barbosa para a Fazenda Pé do Morro tombou numa ladeira próxima ao Zuca e ele sofreu fratura de duas costelas, fato que só descobriu anos depois em Salvador, quando tirou uma radiografia no antigo IAPC. Por sorte, ninguém, além dele, sofreu um só arranhão.
Quando você for visitar a Chapada Diamantina e estiver em Lençóis, de Horácio de Matos; em Mucugê, de Douca Medrado; em Andaraí, de Aureliano Gondim; em Barra do Mendes, de Militão Rodrigues; em Rio de Contas, de José de Souza Guedes; em Palmeiras, de Joaquim de Castro Lima; em Campestre (distrito de Seabra), de Manuel Fabricio de Oliveira; e entrar num botequim para saborear uma pinga local, não deixe de conversar com os velhinho como eu, de quase oitenta e dos mais velhos, de mais de oitenta, e ficarão sabendo de histórias primorosas, como a aqui contada, e que compõem a cultura centenária da Chapada.
As belezas da região são sempre elogiadas, mas alguns dizem que é local para turismo a ser praticado por jovens, que não se cansam por percorrer trilhas, subir em serras, visitar grutas e poços subterrâneos, banhar-se em lagoas e cachoeiras, o que é um pouco verdade. Mas suas histórias também são belas. Você vai descobrir que além das qualidades do sertanejo descritas por Euclides da Cunha, em Os Sertões, de que é um forte e de que não tem o raquitismo do mestiço do litoral, algo que não viu Euclides: da sua capacidade criativa, da sua valentia e da facilidade com que se adapta a qualquer nova situação de vida, com uma facilidade incrível de sobreviver às adversidades do semiárido e de constituir a zona rural mais populosa do Brasil.
Adary Oliveira é presidente da Associação Comercial da Bahia – [email protected] .