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‘SOU MULHER E SOU MÃE’: POR QUE É TÃO DIFÍCIL FAZER SEXO DEPOIS DA CHEGADA DA MATERNIDADE

Redação - 26/03/2019 08:37

Laura* olha no espelho e não se reconhece. “Esse é meu corpo? Meu peito era empinadinho, agora está caído e toda hora sai leite. Minha barriga está cheia de estrias e minha cicatriz deu queloide.” Há dez meses ela teve uma menininha linda, mas ainda não se sente confortável consigo mesma, nem preparada para o sexo. – Demorou um bom tempo para eu querer ter relação sexual e quando eu tive foi horrível. Não tinha lubrificação nenhuma e era como se queimasse minha pele. – diz Laura. Ela trocaria tudo por um longo banho sozinha (como não tem ajuda, costuma tomar banho junto com a bebê). – Eu queria mesmo era ficar 10 horas no banho. Depilar minha perna, passar um creme, fazer a sobrancelha, relaxar e me sentir mulher.

O que acontece com Laura é o que acontece com grande parte das mulheres durante o puerpério. Esse período não tem nada a ver com o resguardo sexual, que é de 40 dias por questões médicas. Segundo a psicóloga e consultora em sexualidade Patrícia Ramos, o puerpério costuma durar cerca de dois anos depois do nascimento. Só nesse momento o bebê será mais independente, saberá se comunicar e a amamentação vai estar chegando ao fim. – Na verdade não se fala muito sobre puerpério, é um período meio camuflado, inclusive existe confusão com o resguardo. Mas ele está mais relacionado com questões emocionais – afirma Patrícia. – O puerpério é o luto de uma mulher que não existe mais.

Laura concorda: – É como se eu não fosse a mesma pessoa. Sinto luto por quem eu era. Não é só o corpo. Eu era decidida e independente, hoje sou cautelosa e para tudo eu penso primeiro na minha filha”.

Pior que a menopausa

Além de todos os aspectos emocionais, a parte biológica também não ajuda. Com o parto, há uma queda hormonal abrupta: a progesterona, hormônio da gravidez produzido pela placenta, cai 400 vezes, por isso dá aquele baby blues . Depois vem a amamentação, e a prolactina, que é o hormônio do leite, passa a inibir estrogênio e testosterona. Não há nada errado. É uma artimanha da natureza para que a nova mãe se dedique ao filhote e não engravide de novo tão cedo. Mas o resultado é cruel para a mulher moderna: falta de libido e pouca lubrificação na vagina.

– Além de não dar vontade, ainda pode ficar doloroso. A maternidade é muito antierótica. Essa energia sexual é desviada para os cuidados com o bebê. Também é necessária uma reconexão com o próprio corpo, que não é o corpo da grávida, mas também não é o corpo que a mulher tinha. Ela ganhou peso, a barriga pode estar flácida, o peito pode jorrar leite. É complicado. Os primeiros meses são piores do que a menopausa. Mas é natural e importante – afirma Carol Ambrogini, ginecologista e sexóloga, coordenadora do projeto Afrodite, da Unifesp.

Quanto mais sozinha a mulher está na empreitada, mais difícil será para ela se reconectar consigo mesma ou com o parceiro. O grau de envolvimento dele com os cuidados e uma boa rede de apoio fazem muita diferença. Se a mulher não tem o que comer, não tem como tomar banho direito, não dorme, fica difícil esperar que tenha disposição para transar. – O casal tem que ter diálogo, falar sobre a dinâmica familiar, a ajuda com o bebê, a falta de sono, as alterações de humor. É uma situação temporária e à medida que o bebê vai crescendo e a mulher vai retomando a vida dela, voltando a trabalhar, sair com as amigas, fazer ginástica, vai retomar a sexualidade. Mas muitos casais se desconectam nessa fase.

A retomada da vida sexual

A situação ideal pode demorar para acontecer. Mas isso não significa que o casal não possa ir se curtindo, afinal sexo vai muito além da penetração. Sexo oral e masturbação são atos sexuais que podem servir para manter o casal mais próximo.

Ingrid* continuou transando no puerpério dos seus quatro filhos. Não teve problemas com libido e lubrificação. Para ela, o sexo era uma forma de ter de volta o controle sobre seu corpo, seu querer e ter um pouco de diversão. Mas era do jeito que dava.

– Fazia meio vestida por causa da vergonha com o meu corpo. Várias vezes durante o sexo acontecia de esguichar leite, eu ria, é meio constrangedor, a hora que você lembra que seu corpo está muito na função de mãe, mas a gente seguia em frente. Eu sou mulher e sou mãe, não é possível que eu só vá dormir, acordar, dar de mamar e trocar fralda. No fim, mantinha a gente junto, aumentava a nossa cumplicidade.

Cada caso é um caso, e o corpo e o psicológico de cada mulher reagem de formas diferentes quanto a ter um filho (e pode ser diferente do primeiro para o segundo). Mas, no geral, as especialistas recomendam uma retomada gradual. – A vontade de transar tem que ser buscada, com um filme mais quente, um conto erótico, uma ida ao motel. Não tem um creme mágico de testosterona que vá resolver isso – diz a ginecologista.

Para Patrícia Ramos, ainda há uma cobrança muito grande da sociedade e dos parceiros para voltar à ativa. – Mas são tantas coisas que acontecem no período… O que ela precisa para retomar é se reconhecer como outra mulher, retomar o prazer por ela mesma. O grande lance é entender que as coisas mudaram. Quando a gente começa a transar, vai pisando em ovos, não é? O sexo no puerpério é isso, a retomada de uma vida sexual de uma nova mulher e de um novo homem.

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