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QUEM SÃO OS HIKIKOMORI, OS JOVENS JAPONESES QUE VIVEM SEM SAIR DE SEUS QUARTOS

Redação - 07/03/2019 09:15

No nosso mundo hiperconectado pode ser difícil se desconectar. O fluxo interminável de emails, tuítes, curtidas, comentários e fotos nos mantém constantemente “ligados” à vida moderna. Mas no Japão, meio milhão de pessoas vivem isoladas. Elas são conhecidas como “hikikomori” – na prática, pessoas solitárias que se afastam de todo o contato social e, muitas vezes, ficam anos sem sair de casa.

Uma pesquisa do governo identificou cerca de 541 mil pessoas (1,57% da população) no país vivendo nessa condição, mas muitos especialistas acreditam que o número total pode ser muito maior, porque pode levar anos até que peçam ajuda. O problema não está, porém, restrito ao Japão como se acreditava. Ele também tem sido reportado em outras partes do mundo.

Na vizinha Coreia do Sul, uma análise de 2005 estimou que havia cerca de 33 mil adolescentes isolados socialmente (0,3% da população); em Hong Kong, uma pesquisa de 2014 estimou que tal isolamento alcançava 1,9% da população. Mas isso não ocorre apenas na Ásia; também se dá em países como Estados Unidos, Espanha, Itália e França, por exemplo. E um tema controverso (mas comum) nas pesquisas é a influência da tecnologia moderna no isolamento. Ainda que não haja estudos suficientes comprovando uma relação concreta entre esses dois fenômenos, especialistas dizem estar em alerta.

O que é hikikomori?

O termo hikikomori se refere tanto à condição quanto às pessoas vítimas dela e foi cunhado pelo psicólogo japonês Tamaki Saito em seu livro Isolamento social: uma adolescência sem fim, de 1998. Hoje, esse conceito é definido como uma combinação de isolamento físico e social somada com um sofrimento psicológico que pode durar seis meses ou mais. O transtorno foi considerado, inicialmente, cultural. E há razões para se pensar que a sociedade japonesa é especialmente suscetível a ele, diz Takahiro Kato, professor de psiquiatria na Universidade de Kyushu, na região Fukuoka, e pesquisador do tema. “No Japão há um ditado muito famoso que diz: ‘O prego que se destaca leva martelada'”, diz Kato. “E as rígidas normas sociais, as altas expectativas manifestadas pelos pais e a ‘cultura da vergonha’ fazem com que a sociedade japonesa seja terreno fértil para sentimentos de inadequação e o desejo de querer se esconder do mundo.”

‘Eu não queria ver ninguém’

Tomoki *, de 29 anos, deixou o emprego em 2015. Ele me diz que estava decidido a voltar a trabalhar e que regularmente saía em busca de vaga. Também participava de um grupo religioso quase diariamente, mas o líder deste grupo começou a criticar publicamente sua atitude e incapacidade de conseguir trabalho. Quando ele parou de ir às sessões religiosas, o líder passou a ligar para ele várias vezes por semana. Essa pressão, aliada à que vinha da família, acabaram empurrando ele para um completo isolamento. “Eu me culpava”, diz ele. “Eu não queria ver ninguém, não queria sair.”. O centro Yokayoka, que oferece apoio aos hikikomoris na cidade de Fukuoka, realiza sessões em que os integrantes do grupo descrevem a pressão que sentem em suas vidas.

“A escola é uma monocultura, todo mundo tem que ter a mesma opinião”, disse um dos visitantes, Haru, de 34 anos. “Se alguém diz algo (diferente) está fora do grupo”. Corresponder às expectativas da sociedade japonesa também ficou mais difícil. A estagnação econômica e a globalização estão fazendo com que as tradições coletivistas e hierárquicas do Japão entrem em conflito com a visão de mundo mais individualista e competitiva do Ocidente, diz Kato.

E os pais japoneses sentem uma forte obrigação de apoiar os filhos independentemente de qualquer coisa, e a vergonha, muitas vezes, os impede de procurar ajuda, explica o psicólogo. Mas o crescente número de casos fora do Japão está levando muitos a questionarem se se trata de uma questão puramente cultural. Em um estudo de 2015, Kato e colegas pesquisadores nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e na Índia encontraram casos em seus países que correspondiam aos critérios clínicos.

Alan Teo, principal autor do estudo, ensina psiquiatria na Universidade de Saúde e Ciência de Oregon, nos EUA, e diz que é frequentemente contatado por americanos que acreditam sofrer dessa condição. “As pessoas pressupõem que isso deve ser mais comum no Japão”, explica ele. “Mas se você medir oficialmente o quão comum é, pode encontrar dados surpreendentes.”

Do Japão à Espanha

A psiquiatra espanhola Ángeles Malagón Amor, do Hospital del Mar, se deparou com o problema durante um programa de tratamento em domicílio em Barcelona. Ela e seus colegas encontravam frequentemente pacientes com períodos prolongados de isolamento social, o que a levou à literatura sobre os hikikomori do Japão. Entre 2008 e 2014, eles encontraram 190 casos – os dados mais recentes. Mas isso foi antes de o programa ser expandido e a médica tem certeza de que eles são apenas a ponta do iceberg. “Na época, éramos dois psiquiatras e duas enfermeiras para uma população de mais de um milhão de pessoas”, diz ela. “Eu acredito que devem existir muito mais casos.”. Entretanto, estabelecer uma explicação mais detalhada é muito difícil.

Muitos estudos dizem que o hikikomori está relacionado a distúrbios psiquiátricos ou de desenvolvimento que podem variar em tipo e gravidade. Também pode ser desencadeado por estresse relacionado ao trabalho ou famílias desestruturadas. “Uma das razões pelas quais o hikikomori é fascinante é que não há uma única explicação”, diz Alan Teo. “Existem muitos fatores que influenciam.” Outro fator frequentemente discutido é o papel de tecnologias como a internet, as redes sociais e videogames, fonte de polêmicos debates nas pesquisas sobre saúde mental.

Uso de tecnologia pode aprofundar isolamento

TaeYoung Choi, psiquiatra e pesquisador que trabalhou no estudo pela Universidade Católica de Daegu na Coreia do Sul, não acredita que a tecnologia necessariamente cause o isolamento, mas que ela é capaz de reforçá-lo e de aprofundá-lo. “Algumas pessoas podem ficar mais isoladas usando a tecnologia, o que torna esse isolamento mais resistente e grave”, diz ele.

Em um estudo de 2018 sobre casos de hikikomori em Barcelona, ​​Malagon-Amor, do Hospital del Mar, disse que em apenas 30% foi identificado vício em internet. Mas eles descobriram que o grupo com vício tendia a ser mais jovem – a idade média deles era de 24 anos, enquanto a média dos 190 casos analisados era de 39.

“Pelo que vimos até agora, isso não é um problema tão grande (hoje). Mas acredito que vai ficar muito maior nos próximos anos nos casos de isolamento social de jovens com vício em internet”, diz a psiquiatra. O efeito da tecnologia também poderia ser mais sutil, diz Kato. Jogos de computador reescreveram as regras do jogo como hábito social coletivo, com crianças passando cada vez mais tempo em ambientes virtuais controlados do que no mundo real imprevisível. Ao mesmo tempo, internet, smartphones e redes sociais têm tornado o contato indireto entre as pessoas muito mais comum do que o cara a cara.

Para Choi, pesquisador da Universidade Católica de Daegu, “a tecnologia em si não pode estar 100% por trás do agravamento do hikikomori como um fenômeno mundial”. Mas ele considera que nossa crescente capacidade de realizar atividades como comprar, jogar e socializar sem interações do mundo real poderia estar exacerbando o isolamento social.

Com base em estudos conduzidos por seu laboratório, sem ligação com o hikikomori, o pesquisador americano Alan Teo diz que, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para traçar qualquer relação conclusiva a esse respeito, o contato cara a cara, seja pessoalmente ou por vídeo-chat, representa um menor risco de depressão, comparado ao contato por telefone, email e rede social. “Se as interações online viram substitutas para as interações cara a cara, eu acho que a pesquisa que eu fiz e as que outras pessoas fizeram indicam que isso é problemático”, diz ele.

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