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WILSON F. MENEZES – REFORMA DA PREVIDÊNCIA : UM DESAFIO

Redação - 03/01/2019 07:00

A reforma da previdência é um dos grandes desafios que o novo governo deverá enfrentar. É interessante notar que os sistemas previdenciários funcionam como uma espécie de poupança, só que de forma compulsória. Os sistemas previdenciários foram pensados para dar condição de sobrevida às pessoas quando entram na condição de inativo economicamente, devido a velhice, doenças ou acidentes incapacitantes. A atitude mais simples para resolver essas circunstâncias é delegar o Estado a incumbência de prover as pessoas quando essas razões batem à porta.

São duas as modalidades financiamento de um sistema previdenciário: capitalização e repartição. O sistema de capitalização é baseado na acumulação dos recursos pagos pelos indivíduos, os quais são aplicados nos mercados financeiros e custearão os valores das respectivas aposentadorias futuras. Enquanto o sistema de repartição monta um fundo de cotizações a ser utilizado para o pagamento das aposentadorias, pensões e outros benefícios. O primeiro sistema é individualizado na contribuição e no benefício, enquanto que o segundo é individualizado na contribuição, mas apresenta um caráter mutuário no benefício, de maneira que as pessoas que pagam suas cotizações adquirem um direito futuro na forma de um rendimento monetário. Se coloca aqui uma questão intergeracional, na medida em que os cotistas de hoje em verdade pagam as aposentadorias daqueles que contribuíram no passado. Os dois sistemas apresentam pontos positivos e negativos, mas vejamos algumas diferenças.

O sistema de capitalização é muito interessante, na medida em que ele incorpora uma ação anticíclica, ou seja, a contribuição global nos períodos de auge econômico é mais elevada, garantindo uma massa maior de benefícios nos momentos recessivos. Essa lissagem da atividade econômica não é possível no sistema de repartição, na medida em que o fundo alimentado pelas contribuições é o mesmo a ser utilizado no pagamento dos benefícios do mesmo período. Por outro lado, o sistema de capitalização requer uma atividade financeira bastante desenvolvida, fato esse que não elimina as especulações e bolhas financeiras, tornando-o muito vulnerável nos momentos mais especulativos que antecedem recessões e crises do nível da atividade econômica. Isso torna o sistema de repartição menos arriscado e um custo administrativo menos elevado.

Há ainda uma grande diferença no que diz respeito à taxa de retorno atuarialmente justa, ou seja, aquela que iguala a contribuição paga ao benefício futuro. No sistema de capitalização isso pode ser buscado indivíduo a indivíduo. No sistema de repartição a justiça atuarial somente é alcançada levando-se em conta a totalidade das cotizações versus a totalidade dos benefícios, sendo quase que impossível de falar de justiça distributiva quando se observa as diferenças das esperanças de vida das pessoas envolvidas. Sabe-se que, em média, o homem vive menos que a mulher, as pessoas urbanas vivem mais que as rurais, quem entra mais cedo no mercado de trabalho tem um tempo de contribuição mais elevado para uma mesma idade de aposentadoria, quem enfrenta uma maior duração de desemprego contribuem por menos tempo etc.

Assim, no sistema de repartição os beneficiários de hoje não necessariamente recebem em conformidade com suas contribuições individuais. O valor a ser recebido depende de inúmeras variáveis fora de seu controle: massa e níveis salariais dependem conjuntura econômica e do avanço tecnológico; condições demográficas definem os fluxos de entrada e a saída no mercado de trabalho, logo exerce um efeito imediato sobre o número de pessoas na condição de economicamente ativas. Baixas conjunturas e envelhecimento populacional forjam uma péssima situação para os já aposentados. O aumento da esperança de vida da população, ao elevar a taxa de inatividade faz com que se exija mais dos economicamente ativos para manter os mesmos valores dos benefícios, ou então necessariamente terá que haver uma diminuição desses valores. Além do mais, tem-se que os aposentados terão direito à suas aposentadorias por mais tempo.

Uma grande preocupação relativa ao sistema de capitalização surge quando se vive mais que o estimado e o indivíduo esgota o que tem direito em termos de benefício e passa a enfrentar situações de penúria ou terá que receber algum tipo de auxílio filantrópico para continuar vivendo. O tempo de contribuição é, portanto, um problema muito grave quando se tem uma esperança de vida em crescimento, isso porque para um tempo fixo de contribuição, mais tempo o indivíduo terá para receber seus benefícios mensais. Estabelecer uma idade mínima para aposentadoria diminui, mas não elimina completamente esse tipo de problema.

Não existe sistema perfeito, dado que o risco está sempre presente nas duas modalidades. Mas o verdadeiro problema consiste na passagem de um a outro sistema. Essa passagem é muito complicada, na medida em que durante muito tempo dois sistemas terão que conviver. Não se pode esquecer que uma pessoa que inicie um processo contributivo no sistema de capitalização necessariamente deixará de alimentar o sistema de repartição. Assim, quem alimentará os benefícios dos remanescentes? O Brasil já escolheu seu sistema, espero que o novo governo não entre em uma aventura de mudança, o risco envolvido é muito grande.

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