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ATLETAS DA GINÁSTICA BRASILEIRA RELATAM TER SOFRIDO ABUSO

Redação - 30/04/2018 07:48

O celular não parava de vibrar. Eram centenas de mensagens pulando na tela. “Você viu o que aconteceu nos Estados Unidos?” – era a pergunta que se repetia para Petrix Barbosa, ouro nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011. Larry Nassar, então médico da seleção americana, havia sido preso por ter molestado mais de 360 ginastas, entre elas as campeãs olímpicas Simone Biles e Aly Raisman. O escândalo no esporte americano o fez recordar de uma dor insuportável, que ele tentou por mais de 10 anos retrair e superar. Petrix havia sido abusado durante a infância pelo seu primeiro treinador.

Movido por um sentimento de indignação, e talvez em uma tentativa inconsciente de pedir ajuda, ele recorreu às redes sociais. No dia 16 de janeiro, aproveitou uma publicação do fotógrafo da Confederação Brasileira de Ginástica, Ricardo Bufolin, para desabafar. “Já pensou se todos os depoimentos no Brasil começarem a aparecer? Os números seriam bem curiosos!!! E todos aqueles que fecharam os olhos e fingiram não saber, ou decidiram fazer piadas… continuariam a se fazer de cegos e fingindo ser politicamente corretos! #prontofalei”.

O comentário de Petrix Barbosa passou despercebido por muita gente. Mas deu início a essa reportagem. Uma investigação que durou quase quatro meses e ouviu mais de 80 pessoas – especialmente ginastas e ex-ginastas. Sendo que 42 delas alegaram ter sido vítimas de algum tipo de abuso fisico, moral ou sexual por Fernando de Carvalho Lopes, técnico que fez carreira no Mesc (Movimento de Expansão Social Católica), clube particular da cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, e que por dois anos fez parte da comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica. Ele treinava Diego Hypolito e Caio Souza até ser afastado da equipe olímpica um mês antes dos Jogos Rio 2016, quando foi denunciado por um menor de idade.

Em dois anos, o processo não andou. Mas, aos poucos, foi motivando as vítimas a criarem coragem para quebrar o silêncio. Após anos distantes, muitos voltaram a se falar. E a lembrar do que havia acontecido não só nas dependências do Mesc, mas também fora dali. No início de abril, uma das vítimas criou um grupo no Whatsapp. Atualmente, 11 pessoas fazem parte dele. Outros entravam e saíam. Não queriam reabrir feridas. Sempre que uma nova pessoa era adicionada, o texto abaixo era compartilhado:

O objetivo deste grupo é unir TODOS que treinaram ou participaram da ginástica olímpica no clube MESC ou em São Bernardo com o treinador FERNANDO LOPES para que busquemos justiça pelos atos do mesmo. Os crimes cometidos pelo FERNANDO foram: assédio sexual, assédio moral, estupro de vulneráveis e agressão física. Temos várias pessoas que sofreram todos esses crimes e o foco aqui é fazer justiça, pois temos vários que relataram que foram abusados sexualmente. Se vocês conhecerem alguém mais que pode contribuir a fazer justiça, por favor nos ajudem. Nós queremos fazer a justiça para todos, inclusive os que não se encontram mais entre nós, nosso grande amigo e irmão D.S. Essa é nossa chance, vamos fazer o que é justo. Se você passou por alguma coisa, ajude nós a conseguir essa justiça. Vale lembrar que ninguém será exposto, identificado, divulgado, etc, o processo corre em sigilo absoluto na justiça, e só as partes interessadas (nós) temos acesso ao mesmo.

Durante a apuração desta reportagem, as vítimas fizeram acusações como assédio moral, agressão física e, especialmente, abuso sexual – crimes que foram praticados sistematicamente durante pelo menos 15 anos. O primeiro relato de abuso é de 2001. O último de 2016. As vítimas são de diferentes gerações da ginástica. Por motivos pessoais, a maioria delas prefere não se identificar, nem mostrar o rosto publicamente. As lembranças são de uma época marcada pelo sofrimento. Mas um deles não quer ficar mais no anonimato.

– O que mais fazia comigo era todo dia tentar molestar, esse sufoco, essa pressão psicológica para um moleque de 10 anos. Banho junto, espiar. Dormir na cama comigo quando eu não queria. Já acordei com ele, não sei quantas vezes, com a mão na minha calça e eu conseguia tirar e dormir porque eu não ficava parado. Teve gente que não conseguiu ter as mesmas reações que eu. E eu não quero que aconteça mais – disse Petrix Barbosa, uma das vítimas mais famosas de Fernando de Carvalho Lopes, que falou abertamente pela primeira vez sobre os abusos que sofreu.

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