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ADARY OLIVEIRA: OS MENINOS DA RUA NOVA

Redação - 15/10/2018 11:58

Nos meados do Século XX a Rua Nova começou a se formar entre a Rua do Curral e o Campo do Gado num dos municípios do interior do Estado da Bahia. Deram a ela o nome de um dos líderes republicanos, mas o nome não pegou. Apesar da rua não ser calçada, pois o pavimento era de barro, as casas eram bonitas, tinham jardins, quintal, passeio e meio fio. Não possuíam tubulação hidráulica, mas tinham reservatórios que eram abastecidos por caminhão tanque ou pelos aguadeiros que traziam água em carotes ou em pipas, coletada nos riachos perenes circundantes da formosa e linda serra nas proximidades.

Os meninos da Rua Nova jogavam bola do Campo do Gado e divertiam-se com as brincadeiras da época: jogo de pá e cambito, picula (esconde-esconde), macaco (amarelinha), caracol, artista e bandido, bumba meu boi, entre outros. Os garotos da época que conseguiram estudar se transformaram em bons profissionais e hoje levam uma vida de classe média considerada boa. Os que não estudaram, com poucas exceções, ficaram na pobreza e não vivem bem. Está aí uma prova de que o estudo liberta as pessoas e permite a realização de trabalho profissional que dignifica os homens.

Alguns meninos da Rua Nova ficaram pelo caminho. Um deles, o Tité, habilidoso com a bola, jogava na linha e fazia gols como ninguém, sumiu da rua. Tinha contraído uma tosse e passou a faltar aos jogos. Foi visto pela última vez com aparência esquelética, sentado numa pedra defronte de sua casa na Rua do Curral. Estava tuberculoso e não havia quem lhe prestasse serviço médico. Era comum dizer que quando os meninos atingiam os 15 anos, eles seguiam em frente e tinham vida longa.

Um dos moradores da Rua Nova era um comerciante muito dinâmico. Ele comprava produtos agrícolas da região e revendia-os em Salvador. Seu armazém era ocupado por mamona, farinha de mandioca, feijão, milho, ouricuri, pó de palha, fumo (tabaco) e tudo o mais que se produzisse. Ele financiava a produção adiantando recursos para os pequenos lavradores e embarcava os lotes de mercadorias para a Bahia, como chamavam Salvador, em caminhões, via rodoviária, ou em vagões, pela estrada de ferro. Antes de se estabelecer nessa vila ele tentara a vida no Rio de Janeiro, em 1935. Por não ter cursado nem o primário o emprego que ele conseguiu foi de ascensorista, num dos edifícios da Praça Tiradentes.

A falta de instrução fez com que ele levasse uma vida muito dura nos três anos que viveu por lá. Quando voltou para a Bahia casou-se com uma moça prendada e prometeu educar seus filhos para não passarem pelas dificuldades que ele passou no Rio. Revisitou a Cidade Maravilhosa em 1950 para assistir à Copa do Mundo. Quando voltou trouxe na bagagem um jogo de camisas do Flamengo para o time do mesmo nome que ele presidia na cidade, e uma bola de couro nº 1, para alegria dos garotos do Campo do Gado.

Seis dos meninos da Rua Nova, seus filhos, passaram a ser encaminhados para Salvador para estudarem em colégio interno, pois na vila não havia curso secundário, só o primário. Os meninos se deram bem nos estudos e todos concluíram o curso de graduação. Três deles finalizaram o doutorado em geografia, música e eletrônica. Abraçaram profissões que não lhe permitiram voltar para a cidade de origem, se fixaram na Capital.

Um outro personagem da Rua Nova, fazendeiro próspero e filho de coronel chefe político, também tinha seis filhos e os educou bem. Todos concluíram o curso de graduação. Dois se formaram em medicina e seguiram a carreira política inspirados no avô, sendo muito bem-sucedidos. Um deles foi Prefeito e é Deputado. O Outro foi Deputado, Secretário de Estado, Governador e hoje é Senador da República.

Quem viveu naqueles tempos e testemunhou o desenrolar daquelas histórias acredita, com razão, que se todos os meninos de hoje forem bem-educados, poderão no futuro contribuir muito, muito mesmo, para a formatação do país desenvolvido que todos desejam.

 

Adary Oliveira

Presidente da Associação Comercial da Bahia

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