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MPF DEBATE SOBRE EDUCAÇÃO INDÍGENA EM ABARÉ (BA)

admin - 19/07/2018 15:37

Os índios Tumbalalás que vivem nos municípios de Abaré (BA) e Curaçá (BA), no norte da Bahia, dividem opiniões sobre a gestão das escolas indígenas: uma parte prefere manter os municípios à frente da Educação, outra parte prefere transferir a responsabilidade para o governo do estado. Para ouvir os índios e levantar as dificuldades enfrentadas, o Ministério Público Federal (MPF) realizou uma audiência pública na última terça-feira, 12 de junho, na Aldeia Pambu, situada na beira do rio São Francisco, dentro dos limites municipais de Abaré – a 550km da capital baiana.

O  evento foi conduzido pelos procuradores da República Analu Paim Cirne Pelegrine e Filipe Albernaz Pires, que trabalham, respectivamente, no MPF em Paulo Afonso e no MPF Pólo Petrolina/Juazeiro, e contou com cerca de 400 participantes – entre crianças, adultos e anciões Tumbalalás e autoridades do estado e do município. Compuseram a mesa, além dos membros do MPF: o coordenador regional substituto da Funai (Fundação Nacional do Índio), Edson Maciel; o coordenador de educação escolar indígena da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, José Carlos Batista Magalhães, a secretária de educação do município de Abaré, Suzete Soares Barbosa; o coordenador de políticas para povos Indígenas da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do governo da Bahia, Jerry Matalouê; o procurador do município de Abaré, Aristóteles Loureiro Neto; o secretário do Fórum de Educação Escolar Indígena da Bahia (Fórum MEI BA), Ibuí Pataxó, bem como Rafael Barbalho – Truka, representante do Copiba.

A palavra foi concedida, em primeiro lugar, aos índios. As principais questões apontadas durante a audiência foram ingerências políticas na prestação da educação escolar indígena, deficiências no ensino, ausência de concurso público para prover as vagas nas escolas, problemas no transporte escolar. Há anos os cargos públicos são exercidos nas escolas indígenas por meio de indicação, o que concorre para que fiquem sujeitos às mudanças de gestão das prefeituras. Segundo os participantes da audiência, a oferta do transporte escolar na região, feita pelo estado, também foi apontada como deficitária, pois não está alinhada com o calendário escolar municipal, resultando na perda de aulas por quem mora mais longe das escolas. Em visita à escola Santo Antônio do Pambu, situada na aldeia, os procuradores verificaram as condições de infraestrutura e conversaram com alguns funcionários.

Marijane Santos, índia Tumbalalá estudante de psicologia na Universidade Estadual de Feira de Santana, e ex-aluna do Colégio Santo Antônio do Pambu, situada na aldeia, defende a estadualização do ensino. Para ela, a educação (municipal) é atualmente dominada pelos “senhores de engenho” e por indígenas que negam sua ascendência para ocupar cargos públicos. “Eu quero uma educação indígena que seja orientada por indígenas, por quem entende o que é ser indígena, por quem entende o significado de uma pintura indígena, da mãe natureza e da terra em que eu vivo. Eu não admito que o futuro da aldeia Tumbalalá seja educado por pessoas que não respeitam a cultura indígena.” – afirmou. Defendeu, ainda, que os coordenadores de educação estaduais são capacitados para lutar por uma educação indígena de qualidade para todos os povos indígenas, não apenas os Tumbalalás.

Iolanda Alves, índia Tumbalalá que também foi aluna da escola situada na aldeia do Pambu e se formará, em 2018, em Matemática, reconhece o valor do ensino que obteve, mas também critica a livre indicação do município aos cargos nas escolas indígenas. “Eu agradeço muito aos professores que eu tive, é graças a eles que hoje eu me formo em Matemática”, esclarece. Contudo, Iolanda relembrou as diligências do MPF em prol da efetiva convocação de professores indígenas que realizaram o concurso municipal, mas que nunca foram empossados – o concurso foi suspenso em 2ª instância, por meio de liminar obtida pela prefeitura. Se dirigindo à plateia, afirmou: “Tudo para vocês é política, isso tem que acabar!”.

João Alfredo Gonzaga, liderança Tumbalalá, se posicionou contra a estadualização, destacando a necessidade de união da Comunidade para aprimorar as políticas públicas voltadas à educação escolar indígena. “(…) Indígena contra indígena é o maior fracasso para o povo”, destacou. Maria Nair Gonzaga, funcionária da Escola São Sebastião, destacou que “o problema não está no município ou no Estado (…), e não será resolvido deslocando para o Estado”. Para ela, o que está faltando é formação, capacitação para os professores, e isto independe de ser gestão municipal ou estadual.

No segundo momento do evento, as autoridades presentes se manifestaram. De acordo com o representante da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado Jerry Matalouê, que se identificou como (índio) Pataxó, o governo não tem a intenção de realizar uma intervenção. Explicou que lideranças a favor e contra a estadualização já foram recebidas pelo secretário e que é necessário que a comunidade decida, de maneira democrática, o melhor caminho. “O estado da Bahia entende que o povo Tumbalalá tem a liberdade para, de maneira consensual, apresentar uma saída”. Jerry enfatizou, ainda, a necessidade da união dos Tumbalalás em prol da Educação de qualidade: “Temos que entender aqui, que não precisamos de um lado a favor e de um lado contra (a estadualização), precisamos entender o que é melhor para o povo Tumbalalá”, e finalizou sua fala ressaltando que o direito de decidir sobre a educação dos Tumbalalás era de sua própria comunidade.

Os procuradores Analu Paim e Filipe Albernaz destacaram que a prestação da educação indígena de qualidade não pode ser comprometido por divergências internas da Comunidade. Analu pontuou que é dever tanto do Estado da Bahia quanto do município de Abaré prestar educação escolar indígena de qualidade, sendo importante definir em que cada ente deve contribuir na definição de um regime de colaboração. Albernaz destacou o povo Tumbalalá precisa resgatar sua autonomia plena e, “independentemente dessa divisão a comunidade, ela deve procurar como alcançar o patamar, em diversos aspectos, em termo de direitos, políticas públicas”.

Encaminhamentos – a partir das manifestações dos participantes da audiência pública, o MPF deve se reunir com os órgãos envolvidos na educação indígena para debater propostas de solução aos problemas identificados e estabelecer responsabilidades do município e do estado, em regime de parceria. Em seguida, as propostas elaboradas devem ser apresentadas à comunidade.

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